BRICS querem uma nova ordem mundial –será ela multipolar ou sino-americana?
O projeto dos BRICS nasceu de frustrações e exasperação com a imposição de uma ordem internacional do mundo muito centrada no Ocidente, passando a buscar uma ordem mundial multipolar mais democrática e mais justa. Para pesquisador, entretanto, ideal unificador pode ser prejudicado pelas ambições potenciais de Pequim de compartilhar a liderança mundial com Washington
O projeto dos BRICS nasceu de frustrações e exasperação com a imposição de uma ordem internacional do mundo muito centrada no Ocidente, passando a buscar uma ordem mundial multipolar mais democrática e justa. Para pesquisador, entretanto, ideal unificador pode ser prejudicado pelas ambições potenciais de Pequim de compartilhar a liderança mundial com Washington
Por Zakaria Sorgho*
Em seu discurso de abertura na conferência dos embaixadores em agosto de 2019, o presidente francês Emmanuel Macron mencionou que “estamos, sem dúvida, experimentando o fim da hegemonia ocidental no mundo”.
Uma hegemonia ocidental que, segundo ele, foi provavelmente francesa no século XVIII, por inspiração do Iluminismo, provavelmente britânica no século XIX, graças à revolução industrial, depois americana no século XX, após as duas guerras mundiais.
Mas com o surgimento dos países do BRICS, sigla para Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, assistimos a uma das mudanças mais significativas nas relações internacionais desde a revolução industrial. Originalmente criado em 2009 como BRIC, o “S” foi adicionado em 2011 com a adesão da África do Sul.
O desejo declarado dos países do BRICS é transformar a estrutura centrada no Ocidente da atual ordem econômica mundial em um sistema internacional policêntrico ou multipolar.
Eles estão chegando lá?
Pesquisador sênior da FERDI e ACET-Africa e pesquisador associado do CREATE na Université Laval, estou interessado em economia internacional e questões de desenvolvimento.
Países em rápido crescimento
Com uma população total de mais de 3,2 bilhões de pessoas em 2022, ou seja, mais de quatro vezes a dos sete países do G7 (aproximadamente 773 milhões de habitantes), o grupo BRICS constitui um vasto mercado econômico.
Seu lugar na economia global continuou a crescer nas últimas décadas, em detrimento do G7. Assim, a participação do produto interno bruto (PIB) total dos BRICS no PIB mundial, calculada em paridade do poder de compra (PPC), superou a do G7 (31,02% contra 30,95%) e a tendência não parece se inverter.
O PIB em PPC é o indicador adequado para comparar países, pois leva em consideração o fato de que a mesma quantidade de dinheiro não representa a mesma riqueza em diferentes países. Elimina, portanto, o diferencial de poder de compra vinculado às moedas nacionais, o que permite comparar maçãs com maçãs.
Esse resultado dos países do BRICS se deve principalmente ao crescimento econômico sustentado dos dois líderes asiáticos do grupo, China e Índia, cujas participações individuais no PIB mundial (PPC) passaram, respectivamente, de 3,29% e 3,78% em 1990 para 18,64% e 7,23% em 2022. No mesmo período, assistimos a uma quebra acentuada da proporção dos dois líderes do G7 na economia mundial, com os Estados Unidos a caírem de 20,38% para 15,51% e o Japão, de 8,56% para 3,79%. As últimas previsões de crescimento econômico do FMI para China e Índia em 2023 são de 5,2% e 5,9%, respectivamente, em comparação com 1,6% para os Estados Unidos e 1,3% para o Japão.
No entanto, os Estados Unidos continuam sendo a principal potência econômica, com um PIB de US$ 25 trilhões em 2022, pouco mais de um quarto da economia mundial. A China vem logo atrás, com um PIB de US$ 18,3 trilhões, quase 20% do total.
Além disso, os países do BRICS têm um nível muito mais moderado de dívida como percentual do PIB e uma proporção de dívida pública per capita em comparação com os países do G7. Em 2022, o valor médio da dívida pública per capita era de cerca de US$ 72.303 nos países do G7, em comparação com cerca de US$ 5.950 nos países do BRICS.
Dólar desafiado
Nos últimos anos, muitos países e suas multinacionais, que utilizam amplamente o dólar em transações internacionais, enfrentaram a extraterritorialidade da lei americana.
De fato, os Estados Unidos estão usando cada vez mais o dólar como uma “arma” de diplomacia de acordo com a política externa de Washington. Assim, os Estados Unidos têm conseguido, em geral, obrigar os demais Estados a respeitarem uma lei aprovada em 2017 no Congresso americano “Countering America’s Adversaries Through Sanctions Act”, que reforça as sanções já existentes contra Irã, Coreia do Norte e Rússia.
Essa “chantagem” do dólar exaspera os países, principalmente os do BRICS, e os estimula a implementar alternativas para garantir suas transações comerciais fora do controle de Washington. Até agora, apesar das flutuações da taxa de câmbio, a posição do dólar em relação a outras moedas de reserva permaneceu bastante estável, de acordo com o FMI.
No entanto, novamente de acordo com o FMI, a participação do dólar nas participações oficiais dos bancos centrais globais caiu de 71% em 1999 para 59% em maio de 2021, seu nível mais baixo em 25 anos, em favor de outras moedas como o euro, rublo, yuan (ou renminbi) ou mesmo ouro. Em dezembro de 2022, o dólar perdeu mais um ponto percentual para 58% nas participações oficiais dos bancos centrais globais.
O yuan, a próxima moeda comum dos BRICS?
O Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) do grupo BRICS, com sede em Xangai, e inaugurado em 2015, visa acabar com a hegemonia da moeda americana em suas transações internacionais.
Sua missão é financiar infraestrutura e desenvolvimento sustentável em mercados emergentes e países em desenvolvimento. Pretende ser uma alternativa ao sistema de Bretton Woods (FMI e Banco Mundial), mais orientado para os países em desenvolvimento. A vontade dos membros fundadores do NBD é criar uma moeda comum.
Desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, várias centenas de bilhões de dólares em ativos do banco central russo foram congelados pelos Estados Unidos e seus aliados ocidentais. Estas sanções sem precedentes contra Moscou enviam um forte sinal a certos líderes (que seriam tentados a se comportar mal) sobre as possibilidades de ação do Ocidente.
Isso trouxe um argumento para os países do BRICS em sua diplomacia contra a atual ordem econômica. Desde então, vários países decidiram negociar em moedas diferentes do dólar, principalmente o yuan.
Nesse contexto, a visita do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva à China, em 14 de abril, não passou despercebida. Ele disse estar pronto para aumentar seu comércio com a China, agora feito em yuans.
Além do Brasil, a China também fechou acordos comerciais com Venezuela, Irã, Índia e Rússia, permitindo-lhe usar o yuan (em vez do dólar) em suas transações com esses países. O presidente Xi Jinping participou ainda, em dezembro, numa cúpula com os seis países do Conselho de Cooperação do Golfo (GCC), nomeadamente Arábia Saudita, Kuwait, Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Qatar e Omã. A China quer um acordo com os países do GCC para liquidar suas importações de petróleo e gás em yuan. Isso enfraqueceria ainda mais o dólar.
O projeto dos países do BRICS nasceu de frustrações e exasperação com a imposição de uma ordem internacional do mundo muito centrada no Ocidente. Em sua declaração conjunta de 16 de junho de 2009, os líderes do BRICS desejam “uma ordem mundial multipolar mais democrática e mais justa, baseada na aplicação do direito internacional, igualdade, respeito mútuo, cooperação, ação coordenada e tomada de decisão coletiva de todos os Estados”.
Esse ideal unificador do BRICS pode ser prejudicado pelas ambições potenciais de Pequim de compartilhar a liderança mundial com Washington. A Índia e a Rússia não apoiarão uma dominação sino-americana de duas cabeças no mundo.
*Zakaria Sorgho é pesquisador sênior da FERDI & ACET-Africa, e pesquisador da CREATE, Université Laval
Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original, em francês.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)
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