18 maio 2023

Daniel Buarque: O governo Lula e a tentativa de reconstruir pontes para o prestígio do Brasil no mundo

Foco da ‘doutrina Lula’ é restaurar a presença do país na política internacional após quatro anos de isolamento sob Jair Bolsonaro. Desde que assumiu o poder, presidente tem tentado reverter os ataques do governo anterior às estratégias que podem ampliar status do Brasil e buscado reconstruir os caminhos para tornar o país um ator importante no mundo

Foco da ‘doutrina Lula’ é restaurar a presença do país na política internacional após quatro anos de isolamento sob Jair Bolsonaro. Desde que assumiu o poder, presidente tem tentado reverter os ataques do governo anterior às estratégias que podem ampliar status do Brasil e buscado reconstruir os caminhos para tornar o país um ator importante no mundo

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante reunião ministerial sobre os cem primeiros dias de governo (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

Por Daniel Buarque*

Desde que foi eleito para um terceiro mandato, Luiz Inácio Lula da Silva abriu um caminho declarado para reconstruir laços diplomáticos e melhorar a projeção do país no exterior. Restaurar a imagem do Brasil e suas relações foi anunciado pelo chanceler Mauro Vieira como a “Doutrina Lula”. Essa busca por um lugar de prestígio na política global, entretanto, depende do nível de reconhecimento que o país alcança junto a nações, e esta percepção externa do Brasil ainda está profundamente afetada pelas ações do governo de Jair Bolsonaro, que em vez de impulsionar o status do país, “destruiu pontes” que poderiam levar o Brasil a alcançar um status mais alto.

Essa dilapidação das estratégias que podem melhorar o posicionamento global do Brasil foi detalhada em uma coluna recente, em que discutia o artigo acadêmico Burning bridges: The paths to increase Brazil’s international status and Bolsonaro’s ‘new foreign policy’. Segundo este estudo, os principais caminhos, ou “pontes”, para o Brasil galgar uma posição mais elevada na sociedade estratificada internacional seriam: a liderança regional; o multilateralismo; o profissionalismo do Itamaraty; as participações em Operações de Manutenção da Paz da ONU; a liderança ambiental; a promoção da democracia; e o papel de mediação em conflitos internacionais. 

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Enquanto Bolsonaro minou essas estratégias da política externa brasileira, após menos de seis meses da volta de Lula ao poder já é possível ver um trabalho de reconstrução de muitas dessas pontes, enquanto o novo governo devolve a diplomacia do país a suas tradições.

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A ponte mais proeminente que o governo Lula tenta reconstruir para promover o prestígio do país é a da liderança ambiental. Sob Bolsonaro, o Brasil passou a ser visto no exterior como um problema, quase um pária, na luta contra o aquecimento global. E o novo governo abraçou a causa como um caminho para projetar o Brasil internacionalmente. Antes mesmo de assumir o governo, Lula já viajou para a COP no Egito e passou a dar declarações sobre como o país buscaria ser um líder global na área.

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Além da questão ambiental, um dos primeiros passos dados pelo país foi a retomada da tentativa de construir uma liderança regional. A primeira viagem internacional de Lula foi à Argentina e ao Uruguai, marcando a volta do país à Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac). Em artigo recente, o professor de relações internacionais Oliver Stuenkel apontou desafios no processo, mas argumentou que o país está bem posicionado para assumir esta posição de líder.

Já a busca pelo fortalecimento do multilateralismo global pode ser vista como uma das áreas mais controversas da tentativa de retomar o protagonismo brasileiro no mundo. Em meio a uma grande polarização, o novo governo tem acenando de forma semelhante aos EUA e à China, defendido fortalecimento do BRICS e buscado atuar como mediador equidistante na guerra na Ucrânia –um outro caminho para a construção de status, mas que pode ser visto como alinhado à questão do multilateralismo. São ações que têm impulsionado o perfil do país, mas que colocam o Brasil “em cima do muro” e geram críticas de todos os lados.

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O fortalecimento da democracia também voltou a ter um papel importante na tentativa de construção do status do Brasil sob Lula. Este ponto foi marcante na visita do presidente aos Estados Unidos, onde se reuniu com Joe Biden. O fato de os dois países terem passado por movimentos golpistas semelhantes por trumpistas e bolsonaristas alinha os governos no poder atualmente, e reforça o papel de Lula e Biden contra movimentos autoritários no mundo. É claro que isso enfrenta questionamentos também por conta da defesa que membros do governo Lula fazem de ditaduras de esquerda, e do silêncio diante da situação política em países como a China e a Rússia, mas há uma evidente tentativa de posicionar o Brasil como parte das democracias liberais do mundo, ao contrário do que houve sob Bolsonaro.

A retomada do profissionalismo do Itamaraty pode ser vista na volta de Mauro Vieira à chefia do MRE. Após as transformações promovidas por Bolsonaro, a escolha de um diplomata que já havia servido como ministro é uma tentativa de reorganizar a casa com alguém que já conhece bem sua estrutura. Além disso, a atuação de Celso Amorim como assessor especial do presidente tem impulsionado o papel da diplomacia brasileira nos contatos internacionais. Assim como na questão do multilateralismo, há muita controvérsia envolvida, e os resultados não são garantidos, mas a atuação está buscando essa formalização do papel do ministério.

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Um caminho que já ajudou a promover o prestígio brasileiro, mas que enfrenta resistência no governo atual é a participação em missões de paz da ONU. O Brasil de Lula tem respondido com ceticismo à tentativa norte-americana de retomar uma ação no Haiti, onde o país liderou a missão da ONU no passado, o que foi encerrado por Bolsonaro. Parte da percepção é de que o problema agora é mais político, e que uma missão militar pode ter um efeito negativo para o Brasil. 

Em suma, a política externa brasileira passou por mudanças radicais desde o início do ano, tentando reconstruir as bases para impulsionar o prestígio brasileiro e desfazer os estragos do governo anterior. O processo não é linear e simples, e muitos dos passos geram controvérsias, mas é importante perceber que o governo trabalha para melhorar o status do país.


*Daniel Buarque é colunista e editor-executivo do portal Interesse Nacional, pesquisador do pós-doutorado do Instituto de Relações Internacionais da USP e doutor em relações internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. É jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor dos livros “Brazil, um país do presente” (Alameda) e “O Brazil É um País Sério?” (Pioneira).


Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)

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