14 julho 2023

Rubens Barbosa: O Brasil está de volta

Com agenda intensa na política externa, presidente já visitou 12 países, recebeu líderes estrangeiros e retomou uma postura proativa nas relações internacionais, que deve se manter forte no segundo semestre. Para embaixador, o retorno do Brasil ao cenário multilateral foi alcançado, com prioridade a temas sobre meio ambiente e mudança de clima

Com agenda intensa na política externa, presidente já visitou 12 países, recebeu líderes estrangeiros e retomou uma postura proativa nas relações internacionais, que deve se manter forte no segundo semestre. Para embaixador, o retorno do Brasil ao cenário multilateral foi alcançado, com prioridade a temas sobre meio ambiente e mudança de clima

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva preside sessão plenária de chefes de Estado do Mercosul (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

Por Rubens Barbosa*

No primeiro semestre, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou 12 países, realizou um encontro com todos os presidentes de 11 países sul-americanos, participou de algumas reuniões multilaterais e recebeu em Brasília presidentes de diversos países, entre os quais Argentina, Alemanha, Finlândia e Romênia.

A agenda presidencial para o segundo semestre está mais carregada do que a do primeiro. O presidente vai participar da Cúpula União Europeia-Países da América Latina Caribe (CELA, em Bruxelas), da cúpula dos BRICS na África do Sul e da Assembleia da ONU em Nova York. Por outro lado, o Brasil assumiu ou vai  assumir o comando de três organismos multilaterais: Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai), a partir do dia 4 até o fim do ano, G20 (20 principais economias do mundo) e o Conselho de Segurança das Nações Unidas. Além disso, estão  previstas visitas oficiais à África (África do Sul, Angola e Moçambique) em agosto.

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/editorial-o-brasil-voltou/

Nesses encontros, Lula tratará prioritariamente do acordo Mercosul-União Europeia, das mudanças climáticas, do desenvolvimento sustentável, da paz e segurança internacional, da reforma do Conselho de Segurança da ONU e do combate à desigualdade.

‘A expectativa é que Lula consiga superar as dificuldades para fazer com que o acordo comercial com a União Europeia possa ser concluído e assinado’

No tocante ao Mercosul, a expectativa é que Lula, apesar de resistências ideológicas de alguns setores do governo, consiga superar as dificuldades na área ambiental e na de compras governamentais para fazer com que o acordo comercial com a União Europeia possa ser concluído e assinado, depois de mais de 20 anos de negociação e de três anos paralisado. 

Um protocolo adicional apresentado em abril pela parte europeia é visto pelo governo brasileiro como uma “ameaça”, mas a resposta brasileira poderá ser aceita, e a negociação concluída na presidência brasileira do Mercosul e da Espanha na União Europeia. 

A questão da flexibilização das regras do Mercosul para permitir que os países membros possam negociar unilateralmente com terceiros países, como quer o Uruguai, também deverá estar na agenda presidencial. A intenção de Lula de trazer a Venezuela, suspensa do Mercosul desde 2017,  de volta ao bloco não deverá prosperar pela oposição do Uruguai e pela situação política interna antes das eleições no país, marcadas para 2024.

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/daniel-buarque-brasil-voltou-para-cima-do-muro-mas-corre-risco-de-ser-visto-como-problema-por-todos-os-lados-da-tensao-global/

O Brasil assumirá a presidência do G20, grupo que reúne representantes das 20 maiores economias do mundo, além de países convidados, no Rio de Janeiro, em dezembro. 

‘O presidente tem cobrado mudanças na atuação do G20, afirmando que o grupo precisa incluir a União Africana e passar a discutir temas como inflação e taxa de juros’

A presidência do grupo é rotativa e atualmente é ocupada pela Índia. O Brasil ficará à frente do G20 até novembro de 2024. Lula deverá dar prioridade na pauta do grupo para discussões sobre desigualdade e sustentabilidade. Em recentes declarações, o presidente tem cobrado mudanças na atuação do G20, afirmando que o grupo precisa, por exemplo, incluir a União Africana e passar a discutir temas como inflação e taxa de juros. 

Lula também tem cobrado ação do G20 em relação à violência nas redes sociais, defendendo que o grupo adote medidas para que as plataformas não sejam utilizadas para disseminação de fake news, discurso de ódio ou práticas terroristas.

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/rafael-r-ioris-muito-barulho-por-nada-avaliando-as-recentes-aberturas-internacionais-de-lula/

O presidente Lula deverá comparecer em setembro à Assembleia Geral das Nações Unidas e pronunciar o discurso de abertura, como é tradição anual. 

Como membro rotativo do Conselho de Segurança da ONU, o Brasil presidirá o Conselho em outubro deste ano. Lula tem feito frequentes discursos em fóruns internacionais defendendo a reforma do conselho. 

O presidente tem dito, por exemplo, que o organismo precisa ter mais representatividade e incluir países da América do Sul, da África e mais países da Europa e da Ásia. Lula costuma citar o próprio Brasil, além de Alemanha, Japão, Índia e África do Sul. O conselho tem 15 membros, dos quais cinco têm os chamados assentos permanentes: China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia. Os outros dez são rotativos (o mandato atual do Brasil acaba em dezembro deste ano). 

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/danca-diplomatica-de-lula-nao-e-novidade-para-o-brasil-o-que-mudou-foi-o-mundo-ao-seu-redor/

Pode-se esperar novas manifestações de Lula sobre a necessidade de suspensão das hostilidade na guerra da Ucrânia, visto que o presidente tem defendido que o Conselho de Segurança seria o foro apropriado para haver esse discussão e não o G7 ou o G20. Com a perspectiva de uma guerra prolongada, o interesse presidencial sobre a guerra deve diminuir, menos declarações sobre o assunto podem ser esperadas, e a proposta de Lula deverá ficar na geladeira.

‘As três prioridades que o presidente Lula anunciou para a política externa de seu governo foram desenvolvidas e novas iniciativas deverão ocorrer no segundo semestre’

As três prioridades que o presidente Lula anunciou para a política externa de seu governo foram desenvolvidas e novas iniciativas deverão ocorrer no segundo semestre. A volta do Brasil ao cenário multilateral foi alcançada, e temas sobre meio ambiente e mudança de clima estão no centro da política externa. 

O Brasil voltou sua atenção novamente para a América do Sul e retomou suas ações com vistas a recuperar o protagonismo e a liderança na região. Duas agendas importantes ficaram para o segundo semestre, a reunião com os países que integram o Tratado de Cooperação Amazônica e a ida do presidente Lula à África, em agosto. 

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/daniel-buarque-a-politica-externa-de-lula-e-a-volta-do-mito-da-multipolaridade/

Esse esforço presidencial e dos formuladores da política externa poderá de alguma maneira ser afetado pelos pronunciamentos do presidente Lula, que poderão comprometer sua credibilidade e prestígio, se continuarem na linha do primeiro semestre (em relação à guerra, à Venezuela e à democracia). Em paralelo, as demandas da política e da economia internas, como as votações do arcabouço fiscal e a reforma tributária, poderão dificultar ausências prolongadas do presidente nas viagens ao exterior. Finalmente, as condições de saúde do presidente Lula, em especial, a possibilidade de intervenção cirúrgica para aliviar problemas no fêmur e na bacia, caso tenha de se concretizar inviabilizarão algumas das iniciativas.


*Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Londres e em Washington, DC., é diplomata, presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional.

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Cadastre-se para receber nossa Newsletter