Rubens Barbosa: O Brasil está de volta
Com agenda intensa na política externa, presidente já visitou 12 países, recebeu líderes estrangeiros e retomou uma postura proativa nas relações internacionais, que deve se manter forte no segundo semestre. Para embaixador, o retorno do Brasil ao cenário multilateral foi alcançado, com prioridade a temas sobre meio ambiente e mudança de clima
Com agenda intensa na política externa, presidente já visitou 12 países, recebeu líderes estrangeiros e retomou uma postura proativa nas relações internacionais, que deve se manter forte no segundo semestre. Para embaixador, o retorno do Brasil ao cenário multilateral foi alcançado, com prioridade a temas sobre meio ambiente e mudança de clima
Por Rubens Barbosa*
No primeiro semestre, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou 12 países, realizou um encontro com todos os presidentes de 11 países sul-americanos, participou de algumas reuniões multilaterais e recebeu em Brasília presidentes de diversos países, entre os quais Argentina, Alemanha, Finlândia e Romênia.
A agenda presidencial para o segundo semestre está mais carregada do que a do primeiro. O presidente vai participar da Cúpula União Europeia-Países da América Latina Caribe (CELA, em Bruxelas), da cúpula dos BRICS na África do Sul e da Assembleia da ONU em Nova York. Por outro lado, o Brasil assumiu ou vai assumir o comando de três organismos multilaterais: Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai), a partir do dia 4 até o fim do ano, G20 (20 principais economias do mundo) e o Conselho de Segurança das Nações Unidas. Além disso, estão previstas visitas oficiais à África (África do Sul, Angola e Moçambique) em agosto.
Nesses encontros, Lula tratará prioritariamente do acordo Mercosul-União Europeia, das mudanças climáticas, do desenvolvimento sustentável, da paz e segurança internacional, da reforma do Conselho de Segurança da ONU e do combate à desigualdade.
No tocante ao Mercosul, a expectativa é que Lula, apesar de resistências ideológicas de alguns setores do governo, consiga superar as dificuldades na área ambiental e na de compras governamentais para fazer com que o acordo comercial com a União Europeia possa ser concluído e assinado, depois de mais de 20 anos de negociação e de três anos paralisado.
Um protocolo adicional apresentado em abril pela parte europeia é visto pelo governo brasileiro como uma “ameaça”, mas a resposta brasileira poderá ser aceita, e a negociação concluída na presidência brasileira do Mercosul e da Espanha na União Europeia.
A questão da flexibilização das regras do Mercosul para permitir que os países membros possam negociar unilateralmente com terceiros países, como quer o Uruguai, também deverá estar na agenda presidencial. A intenção de Lula de trazer a Venezuela, suspensa do Mercosul desde 2017, de volta ao bloco não deverá prosperar pela oposição do Uruguai e pela situação política interna antes das eleições no país, marcadas para 2024.
O Brasil assumirá a presidência do G20, grupo que reúne representantes das 20 maiores economias do mundo, além de países convidados, no Rio de Janeiro, em dezembro.
A presidência do grupo é rotativa e atualmente é ocupada pela Índia. O Brasil ficará à frente do G20 até novembro de 2024. Lula deverá dar prioridade na pauta do grupo para discussões sobre desigualdade e sustentabilidade. Em recentes declarações, o presidente tem cobrado mudanças na atuação do G20, afirmando que o grupo precisa, por exemplo, incluir a União Africana e passar a discutir temas como inflação e taxa de juros.
Lula também tem cobrado ação do G20 em relação à violência nas redes sociais, defendendo que o grupo adote medidas para que as plataformas não sejam utilizadas para disseminação de fake news, discurso de ódio ou práticas terroristas.
O presidente Lula deverá comparecer em setembro à Assembleia Geral das Nações Unidas e pronunciar o discurso de abertura, como é tradição anual.
Como membro rotativo do Conselho de Segurança da ONU, o Brasil presidirá o Conselho em outubro deste ano. Lula tem feito frequentes discursos em fóruns internacionais defendendo a reforma do conselho.
O presidente tem dito, por exemplo, que o organismo precisa ter mais representatividade e incluir países da América do Sul, da África e mais países da Europa e da Ásia. Lula costuma citar o próprio Brasil, além de Alemanha, Japão, Índia e África do Sul. O conselho tem 15 membros, dos quais cinco têm os chamados assentos permanentes: China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia. Os outros dez são rotativos (o mandato atual do Brasil acaba em dezembro deste ano).
Pode-se esperar novas manifestações de Lula sobre a necessidade de suspensão das hostilidade na guerra da Ucrânia, visto que o presidente tem defendido que o Conselho de Segurança seria o foro apropriado para haver esse discussão e não o G7 ou o G20. Com a perspectiva de uma guerra prolongada, o interesse presidencial sobre a guerra deve diminuir, menos declarações sobre o assunto podem ser esperadas, e a proposta de Lula deverá ficar na geladeira.
As três prioridades que o presidente Lula anunciou para a política externa de seu governo foram desenvolvidas e novas iniciativas deverão ocorrer no segundo semestre. A volta do Brasil ao cenário multilateral foi alcançada, e temas sobre meio ambiente e mudança de clima estão no centro da política externa.
O Brasil voltou sua atenção novamente para a América do Sul e retomou suas ações com vistas a recuperar o protagonismo e a liderança na região. Duas agendas importantes ficaram para o segundo semestre, a reunião com os países que integram o Tratado de Cooperação Amazônica e a ida do presidente Lula à África, em agosto.
Esse esforço presidencial e dos formuladores da política externa poderá de alguma maneira ser afetado pelos pronunciamentos do presidente Lula, que poderão comprometer sua credibilidade e prestígio, se continuarem na linha do primeiro semestre (em relação à guerra, à Venezuela e à democracia). Em paralelo, as demandas da política e da economia internas, como as votações do arcabouço fiscal e a reforma tributária, poderão dificultar ausências prolongadas do presidente nas viagens ao exterior. Finalmente, as condições de saúde do presidente Lula, em especial, a possibilidade de intervenção cirúrgica para aliviar problemas no fêmur e na bacia, caso tenha de se concretizar inviabilizarão algumas das iniciativas.
*Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Londres e em Washington, DC., é diplomata, presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
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