O sociólogo Demétrio Magnoli lembra em seu artigo que o triunfo eleitoral de Donald Trump ativou alarmes globais ao sinalizar que “as democracias ocidentais enfrentavam o desafio da ascensão do populismo de direita”. A vitória de Jair Bolsonaro significou a inserção do Brasil nessa tendência. Embora o bolsonarismo articule-se politicamente com correntes internacionais da extrema-direita, suas raízes ideológicas não são similares às correntes internacionais: “O bolsonarismo não é mera expressão nacional das ideias que movem o populismo de direita nos EUA ou na Europa”, pondera.
Já o cientista político Bolívar Lamounier analisa em seu texto o papel do partido político na democracia representativa, o qual deveria ser dinâmico, balizador das ações públicas e elo entre o Estado e a Sociedade. “Dá-se que não temos partidos políticos ou, se preferem, ter 20 ou 30 e não ter nenhum dá mais ou menos na mesma coisa”, escreve. Para ele, se o conceito fosse levado sério, o partido seria capaz de atuar no processo legislativo com personalidade ideológica flexível, mas definida o suficiente para que diferentes parcelas da sociedade pudessem se orientar conforme seus desejos e valores. E mais, seria ainda capaz de impedir o retalhamento do Estado por “corpúsculos corporativistas”.
O processo de impeachment de Dilma Rousseff deixou marcas profundas para o filósofo Fernando L. Schüler. O fato de o PT ser bem estruturado tornou previsível a reação que veio: “Acertou a revista The Economist, que à época prognosticou que o processo de impeachment iria “envenenar” a política brasileira por muito tempo”, aponta. A partir da vitória de Bolsonaro, começou um estranho jogo. De um lado, a recusa permanente da legitimidade de quem venceu, tido como o “fascista”, o “inominável”, o “gado”. De outro, a tensão, o duplo sentido com o “nosso exército”, a “fraude nas urnas eletrônicas”, o “Artigo 142”. Tudo como avant premier do 08 de janeiro, acontecimento que manchou a direita e a democracia.
Traçar cenário do populismo numa perspectiva histórica e global foi o caminho escolhido pelo articulista Anthony W. Pereira para contextualizar o momento. “Podemos abordar o populismo como uma forma de política de massas caracterizada por desempenhos políticos transgressivos que se opõem às “elites” em nome de um “povo autêntico” e dependem, pelo menos em parte, da comunicação não mediada entre um líder e seguidores”, diz ele. Mesmo que essas características sejam comuns, há outras formas de política de massas, como movimentos e partidos não populistas. Dada a amplitude da definição, o conteúdo ideológico e o impacto político do populismo podem variar.
O economista Edmar Bacha e o cientista político Simon Schwartzman avaliam a militarização do governo estimulada por Jair Bolsonaro. Esse fato, mais a tentativa de envolver as forças armadas em um golpe militar e a passividade, senão conivência, de muitos de seus setores com estes movimentos, trouxeram para a ordem do dia a necessidade de se discutir o papel das forças armadas na sociedade brasileira: “Não se trata somente da questão mais imediata da ameaça que houve à democracia, mas dos temas mais amplos, de médio e longo prazos, do relacionamento entre o setor militar e a sociedade civil e do papel das forças armadas brasileiras no mundo atual para um país como o Brasil”.
O general Otávio do Rêgo Barros cita em seu artigo o pensador italiano Norberto Bobbio em suas ponderações sobre o futuro da democracia. Depreende dali que “somente o respeito ao ser difuso conhecido como democracia fará a sociedade avançar na autoproteção e consequente sobrevivência da tribo da qual cada indivíduo livre é parte”. Para ele, a estrutura política e social do Brasil foi abalada por um presumido enfrentamento dos estamentos militar e civil, cuja causa tangencia a origem militar do ex-presidente. Mas, acrescenta que, com o novo governo, “abre-se a possibilidade de retorno das águas ao curso normal do rio nas relações entre civis e militares”.
Ao mesmo tempo em que vê o presidente Lula diante do desafio de recolocar o Brasil no cenário internacional, após quatro anos de isolamento e de perda de liderança em temas essenciais para a agenda interna – de mudanças climáticas à saúde global, passando por direitos humanos –, o cientista político Guilherme Casarões, considera potenciais obstáculos: “Penso que a revitalização da nossa política externa pode ser um dos pontos de partida para que o novo governo cumpra sua promessa de reconciliação nacional. Afinal, não faltam exemplos mostrando que é possível que um presidente construa legitimidade política de fora para dentro – usando a diplomacia, em suas múltiplas manifestações, para viabilizar a consecução de seu programa governamental.”
As urnas eletrônicas foram objeto de grande controvérsia, antes das eleições de outubro de 2022, a partir de contestação pelo presidente Jair Bolsonaro. O diplomata Rubens Barbosa faz aqui um registro de seu envolvimento pessoal a chamado do presidente do Tribunal Superior Eleitoral, em uma crise que, pela sua sensibilidade, não foi conhecida à época. Havia a possibilidade da falta de urnas em função da falta de semicondutores para a produção dos equipamentos nos prazos requeridos. A ação do TSE foi decisiva para que o problema fosse contornado. Barbosa fez gestões junto aos fornecedores, contribuindo para que a crise fosse superada e evitado potencial problema político diante do risco da não realização das eleições na data prevista.