07 abril 2023

Rubens Barbosa: Realinhamento global

Profundas mudanças estão ocorrendo no mundo e estão acarretando um realinhamento de países e de grupos de países para a defesa de seus interesses

Profundas mudanças estão ocorrendo no mundo e estão acarretando um realinhamento de países e de grupos de países para a defesa de seus interesses

Imagem criada pela inteligência artificial Dall-E para ilustrar o realinhamento de países com base em seus interesses (Foto:Dall-E)

Por Rubens Barbosa*

As profundas mudanças que estão ocorrendo no mundo estão acarretando um realinhamento de países e de grupos de países para a defesa de seus interesses. 

Muitos fatores são responsáveis por essas mudanças, como a guerra da Rússia contra a Ucrânia, as tensões econômicas, comerciais e tecnológicas entre os EUA e a China pela hegemonia no século XXI, a gradual transferência do eixo econômico do hemisfério Norte Atlântico (EUA e Europa) para a Ásia, com os primeiros e incipientes sinais de um mundo pós-ocidente. 

Os EUA  promovem a ideia de um mundo dividido entre o Ocidente democrático e a Eurásia autocrática, que poderá levar a uma Guerra Fria em novas bases. Se a isso for acrescentado a desorganização dos mercados de energia (gás e petróleo) e de produtos agrícolas (grãos), além de medidas protecionistas e da remodelação dos investimentos globais, têm-se a magnitude dos problemas que os governos de todo o mundo estão enfrentando e terão de superar para fazer face a um mundo com baixo crescimento e inflação.

Sem procurar esgotar o assunto, cabe mencionar algumas das principais medidas tomadas por um crescente número de países para realinhar-se diante do novo quadro e buscar encontrar um novo posicionamento para melhor definir seu lugar no mundo.

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O realinhamento ocorre em todos os continentes. 

Os EUA fortaleceram suas alianças com a Europa (Otan) e com o Sudeste da Ásia para enfrentar a Rússia e tentar conter os avanços da China. 

A China estabelece renovados vínculos com a Rússia, torna-se o principal parceiro de mais de 120 países, cria uma iniciativa (Belt and Road) para desenvolver projetos de infraestrutura ligando a China até a Europa, passando pela Ásia Central, Oriente Médio. 

A Rússia procura sair do isolamento em que se colocou depois da guerra com a aproximação da China, da África e de alguns países asiáticos. 

Por mediação da China, rivais como a Arábia Saudita e o Irã restabeleceram relações diplomáticas. Coreia do Sul e Japão, afastados historicamente, voltam a se aproximar pelo receio das ações chinesas. Pelas mesmas razões, Japão e Índia ampliam sua colaboração. Suíça, Suécia e Finlândia deixam a posição de países neutros e aderem a Otan. A Turquia procura manter-se neutra, mas apoia a entrada da Finlândia e talvez mais adiante da Suécia na Otan. Japão e Alemanha, revertendo decisões, que vem desde o fim da guerra, estão embarcando em programas de rearmamento importantes, eliminado restrições constitucionais sobre a produção de armas ofensivas.

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A Índia encontra-se em uma situação peculiar e procura equilibrar-se nessa difícil conjuntura entre a Rússia, maior fornecedora de armas para Nova Deli, e a China, com quem tem disputa fronteiriça, algumas vezes armada. A Índia mantém relações em expansão com a China na área comercial, é membro do BRICS, mas participa de alianças militares antichinesas no mar do sul da China. Em relação à Rússia, a Índia é membro do BRICS e mantém uma posição neutra no tocante à guerra na Ucrânia, abstendo-se de condenar o ataque russo nas resoluções das Nações Unidas, e não concorda com a imposição de sanções econômicas contra Moscou.

O regionalismo se afirma, e seus laços se fortalecem econômica, comercial e militarmente. No mar do sul da China, EUA, Reino Unido e Austrial formaram o pacto militar Aukus. Os EUA, a Índia, o Japão e a Austrália fortaleceram o Acordo quadripartite (Quod). Os acordos comerciais CCPTT, formado pelo Japão e mais dez países asiáticos e sul-americanos do pacifico, e RCEP, formado pela China e 16 países asiáticos, se no futuro se unirem formarão a maior área de livre comércio do mundo. 

A China formou a Organização de Cooperação de Xangai. México e Canadá reforçam suas ligações com os EUA (Nafta.3) e recebem investimentos de empresas europeias e até chinesas para a garantia de acesso ao mercado norte-americano. 

A Europa busca reorientar sua dependência econômica e comercial nos fluxos de comércio com a China, assim como fez com a dependência do gás e do petróleo da Rússia, embora muitos países, como a França, pretendam manter seus laços econômicos e culturais com Pequim. A União Europeia começa a tomar providências para a defesa comercial contra medidas retaliatórias da China em função de restrições que sofre do Ocidente.

Nesse quadro complexo de realinhamento de países e de grupo de países, e de políticas, como se situa a América Latina, a América do Sul e o Brasil em especial? Matéria para o editorial da próxima semana.


*Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Londres, é diplomata, presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional.

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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