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Apresentação


No final de abril, o Conselho Editorial desta Revista se reuniu para definir o temário da edição 38, em um momento de grande debate sobre a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte e a antecipação de eleições gerais. De abril até o fechamento deste número, no final de julho, passaram-se três meses, e esse debate foi ultrapassado por uma pletora de fatos, como a acusação por corrupção passiva feita ao presidente Michel Temer pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, após a delação do dono da JBS, Joesley Batista. O País se pergunta se Temer se sustentará no poder ou se será afastado e, de acordo com a Constituição, substituído em um processo de eleições indiretas.

A Constituição diz que, em caso de acusação por crime comum, como corrupção passiva, o julgamento do presidente da República cabe ao Supremo Tribunal Federal (STF). Mas, o processo só pode ser aberto se houver autorização do plenário da Câmara dos Deputados. Sem isso, o andamento da denúncia na Justiça fica suspenso até o término do mandato, em 2018.


Os dois primeiros artigos deste número, de dois dos mais renomados juristas do Brasil, Modesto Carvalhosa e Ives Gandra da Silva Martins, foram pautados pelo Conselho Editorial para aprofundar a discussão sobre se seria necessária uma Assembleia Constituinte originária e independente, uma vez que constantes escândalos têm mostrado a inviabilidade do atual sistema político-constitucional. Esse é um debate sempre válido e atual, e temos muito a aprender com as considerações jurídicas e históricas dos dois especialistas.


Modesto Carvalhosa argumenta que “a proposta de convocação de uma Constituinte Independente vem ao encontro de diversas tendências e reivindicações da sociedade civil brasileira. Esse movimento crescente se alinha àqueles que se verificam nos países democráticos no mundo todo, de rejeição ao profissionalismo na política. O exercício da política como uma carreira que se desenvolve através dos partidos dominados pelos mesmos chefes, que, por sua vez, indicam os mesmos quadros de “representantes” nos parlamentos e nos governos, sofreu uma série de reveses a partir da presente década.”
Já Ives Gandra é contrário a uma Constituinte Exclusiva. “As Constituintes originárias decorrem de revoluções e quebras de sistemas institucionais anteriores. Vivemos em pleno regime democrático, com as instituições funcionando, com respeito às decisões judiciais e direito de defesa sendo exercido”. O jurista explica, entretanto, que já foi favorável a uma Constituinte Exclusiva, “no processo constituinte, quando o deputado Flávio Bierrenbach era relator. Escrevi a favor de sua proposta. Hoje, apesar de me considerar favorável à maior parte dos pontos propostos, não vejo necessidade de uma Constituinte Exclusiva”.


O terceiro artigo da edição é de Renato L.R. Marques, que foi embaixador na Ucrânia (2003 a 2009) e na Bielorrússia (2011 a 2014) e de 23/9/2009 a 1/12/2009, gerente de Relações Corporativas da Cyclone Alcantara Space (ACS), binacional de capital brasileiro e ucraniano para lançamento de satélites, utilizando o foguete espacial da Ucrânia Cyclone-4, a partir do Centro de Lançamento de Alcântara. Sob o título “Réquiem para o Programa Espacial Brasil-Ucrânia”, o artigo conta, de forma inédita, toda a história desse fracassado programa, que envolve quatro principais atores: Ucrânia, Brasil, Rússia e Estados Unidos.


Todos os mega-acordos comerciais trazem algo em comum em seus textos: regras que inovaram ao estabelecer padrões sofisticados de coerência e convergência regulatória, que acabam por estabelecer um novo patamar de regras para os acordos preferenciais, constituindo, assim, o marco regulatório contemporâneo para o comércio internacional. Esse é o tema do artigo de Vera Thorstensen, professora da EESP-FGV, coordenadora do Centro do Comércio Global e da Cátedra OMC no Brasil e, desde 2014, presidente do Comitê Brasileiro de Barreiras Técnicas do Conmetro, e de Vivian Rocha Gabriel, pesquisadora do CCGI-EESP-FGV.


O quinto artigo desta edição é do empresário Raymundo Magliano Fillho, que foi presidente da Bovespa por sete anos consecutivos e é um incentivador da propagação das ideias do filósofo italiano Norberto Bobbio. “Qual seria a melhor forma de propormos um caminho para o Brasil, que passe necessariamente pela articulação entre os conceitos de Estado, democracia e sociedade civil? (…) o núcleo fundamental dessas reflexões passa pela compreensão da sociedade civil”, escreve.


“Fake News e os Caminhos para Fora da Bolha” é o artigo do cofundador e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS Rio), Sérgio Branco. Segundo ele, “é a partir de escolhas dos usuários, mescladas a regras algorítmicas pouco claras, que o debate democrático encontra seus maiores obstáculos para consolidação na grande ágora que poderia ser a internet. Como o empenho maior parece ser quase sempre reforçar seus próprios argumentos, em vez de compreender os argumentos alheios, no mais das vezes sempre que a bolha pode ser potencialmente perfurada por um outsider, nós nos deparamos com ataques pessoais, informações falsas ou distorcidas, cinismo, deboche e toda sorte de manipulação linguística. Um diálogo de boa vontade é bastante raro”.


O sétimo artigo, “O ajuste democrático: a receita indicada para quando nosso federalismo deixa a desejar”, de Miguel Lago, diretor-presidente do Nossas e cofundador do Meu Rio, e de João Marcelo da Costa e Silva Lima, mestre em direito da regulação pela FGV-RJ, defende ajustes institucionais para três problemas cruciais do Estado brasileiro: desequilíbrio crônico das finanças públicas, má qualidade dos serviços públicos e significativo déficit democrático. Os autores defendem a extinção dos estados brasileiros e a transformação da federação em dois níveis, e não mais em três. “Embora, nos termos do art. 60, parágrafo 4, inciso I da Constituição Federal ‘a forma federativa de Estado’ seja uma cláusula pétrea, é questionável que nosso modelo federalista não possa ser substituído por outro”, dizem.
Encerramos a edição com o artigo do sociólogo e cientista político Sérgio Pio Bernardes, que escreve sobre a emergência e a consolidação da carreira da diplomacia corporativa. Segundo ele, “as características dos novos líderes convergem com as competências do diplomata corporativo, pois os integrantes da geração Y já nasceram em um mundo globalizado e conectado, possuem uma visão colaborativa que relaciona os diversos setores da economia, desenvolvem relacionamentos multiculturais e buscam integrar o resultado financeiro da empresa com crescimento social e ambiental.”


ERRATA
Por uma grave falha da diagramação, sem o conhecimento dos Editores, o artigo de Joanildo Burity (edição 37), “Religião e Estado no Caminho da Confessionalização? Reflexões sobre as Eleições Municipais do Rio de Janeiro de 2016”, foi publicado com o acréscimo de um parágrafo que não é da sua autoria. O artigo de Joanildo Burity começa com o parágrafo “Enfim, aconteceu: os chamados “evangélicos….”, e não como, erroneamente, foi publicado: “Foi a filosofia alemã…” Pedimos desculpas ao autor e aos leitores por esse lamentável erro na edição impressa. A edição on-line foi corrigida. Transcrevemos aqui o primeiro parágrafo do artigo de Joanildo Burity para que não reste dúvida de que assim se iniciou o seu artigo:

* * *

Enfim, aconteceu: os chamados “evangélicos” – termo-valise que significa hoje o que quer que queira quem o enuncia, frequentemente autoassertividade, para os de dentro, e ameaça, para os de fora – conquistaram cargos executivos de alta importância na política brasileira. Uma história que se arrastava desde meados dos anos 1980 e que seguiu um script improvisado, cheio de atalhos, muita controvérsia e muitos percalços (derrotas, tentativa e erro e oportunismos flagrados), chegou a um desfecho tão inesperado (visto desde aquele ponto de partida) quanto indesejado para um amplo segmento das elites políticas, sociais e culturais. Sorte de outsiders? Talvez ainda seja cedo para dizer, mas é certo: os evangélicos pentecostais e tradicionais, conservadores – eis a senha – fizeram o prefeito do Rio de Janeiro. Não foi a primeira prefeitura no país, e o lastro de sucesso em nível parlamentar já está amplamente documentado, discutido, analisado. Mas, foi o bastante para reacender o debate sobre a relação entre Estado e religião, política e religião. Como parecemos só ter um vocabulário público alternativo – a tese da separação entre Igreja (ou religião) e Estado, a tese do Estado laico (com múltiplos significados) – chegamos a um dejà-vu. Nem avançamos no debate, nem sabemos fazer a coisa funcionar. Que canseira, o debate público neste país!”

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